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O que é a moeda comum que Brasil e Argentina negociam?

Cédulas de real e peso argentino, que sofreriam certos impactos com a criação de uma moeda comum.

A moeda única com a Argentina já foi proposta por gestores de ideologias diversas. De onde vem a ideia? Qual o benefício que enxergam nela?

A ideia de ter uma moeda única para o Mercosul não é nova, mas estava adormecida. O próprio acordo do Mercosul também perdeu muito sua importância quando os países membros, inclusive o Brasil, optaram por seguir por regras de acordos bilaterais que se mostraram muito mais eficazes, por serem mais ágeis e com resultados mais dinâmicos. Interessante que a ideia de moeda única voltou à cena já num artigo de 2022 do atual secretário-executivo da Fazenda, Gabriel Galípolo, coautorado com o próprio Fernando Haddad, defendendo a ideia de moeda comum, iniciando com uma etapa de moeda comum apenas no sentido financeiro e contábil.

Vejam que fogem da ideia de moeda comum para o bloco econômico, nos moldes da região do Euro, mesmo porque esse tipo de acordo requer um alinhamento em vários sentidos e pressupostos inexistentes na relação Brasil-Argentina. Um acordo de “áreas monetárias ótimas” como definido por Robert Mundell (trabalhos publicados nos anos 1960 e prêmio Nobel de economia em 1999) requer as seguintes características:

  • i) grande fluxo comercial;
  • ii) muita mobilidade de mão de obra;
  • iii) alta integração financeira.

Por ora, todo o Mercosul representa cerca de apenas 6% da corrente de comércio do Brasil e que vem sendo reduzida com a Argentina na última década; a mobilidade de mão de obra é baixíssima entre os países; e a integração financeira seria uma das etapas do acordo do Mercosul que nunca foi pra frente, com diferenciais de juros e de regulações bancárias bastante fortes. O ponto de referência é o acordo da zona do Euro, que durou décadas para atingir a uniformidade de moeda que requer simetria de choques econômicos, alinhamento de políticas fiscal e monetária e a existência de um único Banco Central que cuida da condução da politica monetária. Não existe moeda comum sem algum tipo de federalismo fiscal, veja o caso da crise Grega que custou caro para todo o bloco. Claro que benefícios surgem se o bloco atingir o nível de alinhamento exigido para chegar a uma moeda comum: mobilidade de capitais, de mão de obra, de recursos, escolha de sede contábil pelas empresas. Isso favorece toda a cadeia produtiva dos setores. Mas iniciar com moeda única sem alinhamento inicial de políticas significa trazer mais custos de ajustamento do que benefícios.

Quais seriam as consequências para o Brasil com a criação de uma moeda comum?

Se estivermos falando apenas de uma moeda comum meramente contábil para simplificar o comércio regional e sem significar o abandono das moedas nacionais, parece mais simples, mas mesmo nesse caso haveria a discussão sobre as garantias dos riscos cambiais de cada país na liquidação das operações. Vejam que definitivamente não é função dos bancos centrais o financiamento de riscos cambiais envolvidos no comércio exterior entre as partes. Se abandonamos o dólar como moeda de transação internacional, então como se formaria o câmbio de referência? Se há um novo câmbio com outra moeda contábil, o valor pode divergir da taxa do dia com o dólar, o que significa que um dos dois países terá prejuízo, enquanto o outro terá vantagem. Quem faria o ajuste, nesse caso?

Além do mais, o dólar já funciona de maneira simples como esse tipo de moeda contábil nas operações entre os países, com liquidez e facilidade transacional. Desta forma, não há nada de novo numa proposta deste tipo e só pode ser pior do que aquilo que já existe, complicando o comércio com o resto do mundo.  Para o Brasil, não faz sentido econômico, e serve apenas para desviar a atenção dos principais problemas nacionais, como o controle da dívida pública no Brasil e a inflação e baixo crescimento da Argentina.

Como evitar problemas daqui pra frente, em termos de governança político-monetária?

A governança sobre cambiais (troca de moedas internacionais) já está sob a guarda do Banco Central, que deve continuar independente, centralizando todas as operações de compra e venda de moedas. Retirar do Banco Central essa governança é algo arriscado e sem sentido. A sugestão é primeiro seguir todos os protocolos necessários para alinhamento de políticas fiscais e monetárias dos países, abrindo fronteiras para movimentos de capitais, recursos e mão de obra, para só depois pensar em moeda comum. Esse é o último passo.

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